domingo, janeiro 04, 2009

Mais um ano ...




Mais um ano está cumprido.
De repente, implacavelmente, o tempo
arrancou as suas folhas,
a vertiginosa sucessão dos números.
Despenharam-se os relógios, as clepsidras, as
varas do sol.

Gritei, contorci-me, explodi no ar como
as canas de fogo.
Mas não havia cor.
As sombras, a sombra do mal, a sombra do
medo,
a sombra da nostalgia,
adensaram os contornos da minha vida.

Desejei morrer tantas vezes,
Viajei entre baldios, colhi plantas sem nome,
quebrei os corais do último sonho,
debrucei-me em varandas que davam apenas
para a cidade das trevas.

Bebi todos os vinhos,
tudo o que nascia dos cactos, do absinto, das
juníperas alucinadas,
da cevada dos países frios.

Devorei palavras sem sentido, orações,
rosários de pérolas negras,
liturgias que jamais responderam à extrema
solidão do homem.

Abracei um corpo de inocência perdida e
estremeci,
e esse corpo estremeceu na inquietude da
minha vida desesperada.
Talvez fosse amor esse agitar de asas,
esse brilho de lantejoulas enlouquecidas.
Não sei.

Havia uma praça onde os cães adormeciam,
sem endereço, sem dono,
sem os antigos passeios pelos prados da alegria.
Aí estavas tu, josé,
meu amigo de desumana voz,
a guardar o meu sono, a angústia das suas praias.

Mas não dizias nada.
Eras o único caminhante desses planetas para
onde eu partia,
sempre que Deus me chamava,
com a sua urgência inexplicável.

Penso sempre no seu trono de jóias raras,
sob as árvores frondosas,
e procuro a sua mão sobre a minha fronte,
sobre o meu pensamento de casas puras.

Já não tenho casa.
Fiz do desabrigo um imenso campo de anis e
flores altas.
A minha cama é essa planície onde os
animais se deitam, sem pensar em nada.
Por isso não quero a mentira dos povos, as
estátuas de bronze,
as armas brancas atrás das costas.

Quero um barco de papel, um espelho de
água, um lago.
Mais nada.



José Agostinho Baptista

13 comentários:

Paula Raposo disse...

Adoro este Poeta!! Já uma vez coloquei um poema dele num dos meus blogs! É perfeitamente sublime! Estou contente que estejas por aqui e gosto muito desta cor branca de fundo...muitos beijos.

isabel mendes ferreira disse...

e assim caminhámos....pelo tempo a.dentro.



beijo grato.


pela companhia.





excelente Ano.

Graça Pires disse...

Só um poeta como José Agostinho Baptista para nos falar assim de um ano que acaba... Para ti uma ANO BOM. Um beijo.

☆Fanny☆ disse...

Adorei, Lena!
Excelente escolha!

Adorei a nova cor da tua cabana. Cor da paz que nos leva nas asas das tuas palavras!

Um Feliz Ano Novo!

Beijinhos de estrelas*

Fanny

Anónimo disse...

e eu sempre pensei que fosses o poeta, mas depois reparei que há palavras comuns que a todos nos une.
um bom ano para ti.
Ana._____________-

Anónimo disse...

Belíssima escolha para uma despedida do ano que passou, só podia. Bom 2009!!!

Beijo

Elvira Carvalho disse...

Obrigada pela partilha de um poema e poeta que eu não conhecia e que muito me agradou.
Um abraço e bom fim de semana

Luis Eme disse...

é mais um ano mesmo, Lena...

e que não te faltem os poemas e a vontade de criar...

abraço

Miguel Augusto disse...

Bom 2009! :)

Colibri disse...

Lindíssimo poema...

A simplicidade é tudo quanto basta para estarmos satisfeitos e completos...

Beijinhos
Colibri
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Amaral disse...

Belo o poema que, sentidamente, escolheste...
Amor no agitar das asas, aquele trono de jóias raras, a cama de planície imensa...
Sonhos, sonhos que a vida traz...pérolas de inocência, varandas que vamos sendo...
A poesia é sempre magia, quando os versos dançam ao sabor das nossas emoções...

a guardiã disse...

e voltar a sentir-me em casa...

um beijo doce com muito carinho

A.S. disse...

Vai ao POLIEDRO...

rosto...

  rosto em silabas as artérias estão vazias dentro de mim. escuto gritos sucessivos e a sede é abandono em dias inúteis. o tempo é...